quinta-feira, 25 de abril de 2024

Há 50 anos foi Abril

Na manhã, do dia 25 de Abril de 1974, levantei-me muito cedo pois estava escalado para fazer urgência no H. de S. José. Tinha dormido profundamente e não ouvira qualquer notícia sobre os acontecimentos despoletados durante a noite. Morava com os meus pais em Campolide e como de costume dirigi-me para o Hospital, no meu Triumph GT6 de cor verde-escuro, pela Av. Castilho junto ao Parque Eduardo VII. Confesso que pelo caminho, perante as ruas desertas, se foi instalando uma sensação de, momentaneamente, estar a fazer parte de um filme de ficção em que as pessoas desaparecem quase todas, ficando apenas algumas à superfície da Terra. Esta sensação desapareceria totalmente quando perto do Rádio Clube Português deparei com uma "barragem" de blindados e de militares - que me deram "ordem" para parar e voltar para casa. Ao mesmo tempo que eu explicava que estava escalado para a Urgência do H. S. José, ia-me inteirando do que se estava a passar. Quando me apercebi do que se tratava, exultei incitando os militares a continuarem a sua acção - manifestando claramente o meu contentamento. Acabei por ser escoltado até S. José, para poder passar, sem demoras, por outras eventuais "barreiras" militares, e entrei com um Jipe à frente pelo túnel do velho edifício hospitalar. A equipa médica de serviço (na foto estou de cócoras) era a do Dr. Jorge Girão, cirurgião de grande craveira técnica, humana e cultural. O ambiente era de euforia e, simultaneamente, de preocupação pelo eventual aparecimento de grande número de feridos. Felizmente só se verificou a entrada de uma única pessoa ferida, sem gravidade, em consequência dos acontecimentos. Tratava-se de uma senhora que tentava regressar a casa atravessando o Tejo de barco para a margem sul e que fora atingida, acidentalmente, perto da Praça do Comércio - com um estilhaço de bala perdida junto à coluna. Como eu estava responsável pelo S. de Observações de mulheres e crianças (uma sala escura num dos extremos do serviço, apenas com cerca de 20 m2 e que servia a maior parte da zona da grande Lisboa e o sul inteiro do país) a Doente ficou sob os meus cuidados, acabando depois por ser transferida para o S. de Ortopedia. Mas o ambiente geral que se viveu é inesquecível. Todos (ou quase) sorriam abertamente com um sentimento - de grande Fraternidade - contagioso. Confraternizava-se com os próprios Doentes... oferecíamos coisas uns aos outros... e sentíamos como se estivéssemos perante o início de um novo país. Lembrar Abril é, pois, também lembrar que existe, em nós, essa potencialidade. E que essa Fraternidade pode sempre, em qualquer altura, repetir-se. A foto foi colhida num pátio interior do H. S. José em frente da cantina (acanhadíssima) onde tomávamos as refeições (porta ao fundo).

Red Dress

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Sorrisos de Verão

Tilia – Quentin Bisch for Marc-Antoine Barrois (EDP - 2024). Notas: Lima, Giesta, Flor de Tília, Ambroxan, Jasmim Sambac, Heliotrópio, Vetiver, Georgywood (um isómero do Iso-E Super conferindo nota de Cedro). Um novo lançamento desta dupla de criadores é sempre um acontecimento que gera altas espectativas. Confesso que estava com algumas dúvidas porque: 1 - Em geral não aprecio florais (mormente com rosa e ou tuberosa) com excepção de aromas com flores selvagens amarelas (immortelles, camomila, tojo, giesta). 2 – Tenho sempre receio do aroma de bombas sintéticas em excesso dominando a fragrância Pois aqui foi a tal excepção que foge à regra. É IMHO um floral para ambos os sexos e não um perfume dedicado ao sexo feminino – como já ouvi comentar. As flores aqui são campestres, suaves e passageiras. O Heliotrópio (uma “vibe” pulverulenta a lembrar amêndoas) domina um pouco na abertura, mas depressa as giestas dominam a paisagem olfactiva com as tílias menos proeminente e em pano de fundo. Por outro lado, esta fragrância também mostra como o Ambroxan, pode ser bem incorporado e com a percentagem adequada. Um exemplo que outros deviam seguir. O perfume tem 2 fases. A inicial é floral e dura 1 a 2 horas. Confesso que não senti a lima referida no site do MAB. Depois na 2ª fase dominam o Vetiver e as madeiras. O Vetiver é fabuloso e lembra o Vetiver do Encelade que por sua vez faz lembrar os grandes Vetiver de meados do século passado e que nunca mais tinha encontrado até este reencontro no Encelade e no Tilia. Tem um comportamento semelhante ao Ganymede. Uma tenacidade e sillage enormes, mas não é intrusivo ao ponto de incomodar quem está perto. Como uma pessoa superelegante e misteriosa com uma aura especial que surge e todos os olhares se voltam para el@ como por magia enquanto passa em silêncio. O seu perfume confere-lhe uma qualidade excepcional e uma grandiosidade ”magnética”. No entanto o seu olhar vai para longe e por isso não nota os murmúrios de admiração em volta. Não precisa tentar fazer-se notar pois de um modo natural é admirad@. Ou seja, é uma fragrância que é discreta porque nenhuma das notas é excessiva. Quentin Bisch consegue aqui criar inesperadamente um aroma para ombrear com o Ganymede no topo do ranking dos perfumes da marca. Uma criação solar, optimista que provoca uma sensação de felicidade. Como sorrisos numa tarde calma de Verão ou como a luz dourada de beijos emergindo do escuro numa noite quente.